sábado, 23 de outubro de 2010

Canais de distribuição.

Estratégias tradicionais de comercialização não funcionam porque presumem que o consumidor estará sempre nos canais projetados para ele. É hora de conferir como o consumidor realmente se comporta.

No passado, o consumidor pagava mais ou menos por aquilo que levava. Hoje, às vezes leva coisas sem pagar nada. Anos atrás, quando o consumidor típico do varejo ia a uma loja e recebia dicas sobre tamanho, estilo ou propósito de um produto, quase sempre comprava o artigo ali, no ato. Se quisesse um atendimento personalizado, escolhia lojas que o oferecessem – e pagava mais por isso. Se tivesse atrás de pechinchas, procurava lojas mais populares. Fosse qual fosse o canal de distribuição escolhido, o consumidor ficava nele até fechar o negócio.

Não mais. O consumidor de hoje “surfa” à vontade entre um canal e outro. É comum usar os serviços de um canal com atendimento superior e no final adquirir o produto em outro, mais barateiro. Quem entre nós não folheou um catálogo antes de rumar para o shopping, ou ligou para um agente de viagens interessado em preços de passagens e depois comprou os bilhetes online ou diretamente da companhia aérea para pagar menos? O resultado é que muitas empresas acabam com “ativos encalhados” – recursos físicos e organizacionais montados em geral com grandes despesas e a cada dia mais inúteis. Dependendo da situação, tais recursos podem incluir um pessoal de vendas altamente treinado mas subutilizado, um espaço de varejo pouco transitado e um estoque de mostruário e reposição imediata que rapidamente se torna obsoleto. Analistas da Forrester Research sugerem que até metade de todos os consumidores de hoje busca informação num canal e pula para outro na hora de abrir a carteira. Nosso conhecimento da situação de clientes tanto no setor de bens de consumo quanto no mercado B2B ampara esta tese.

Com certeza, isso tudo não é novidade para você. Mas qual tem sido sua reação? O que você deveria estar fazendo é repensando a lógica básica de sua estratégia de comercialização. Um canal já não deve ser projetado para atingir certos segmentos demográficos, mas para abarcar o comportamento sem amarras do consumidor. O crucial é que o consumidor consiga o que deseja em cada fase do processo de compra – seja qual for o canal – e que, ao final da jornada, você não tenha gasto mais dinheiro com o consumidor do que ele com você.

Arquitetura de canal convencional

Estratégias tradicionais de canal procedem diretamente da segmentação de mercado. Uma empresa que direciona uma marca a, digamos, mães de família na faixa dos 30 utilizará um determinado canal para oferecer seus produtos, além de serviços e atividades de vendas correlatos. Outra empresa escolherá um canal diferente para atrair aposentados com o bolso cheio. Uma suposição comum é que gente com as mesmas características demográficas tende a comprar da mesma forma, através dos mesmos canais limitados.

Até pouco tempo atrás, essa era uma suposição razoável. O consumidor de fato tendia a ficar quieto em seu nicho. Ainda que não “do berço à cova”, um canal prendia o consumidor pelo menos da consideração inicial à compra subseqüente. A competitividade do canal dependia da montagem de um pacote de produto e serviço que o consumidor supostamente valorizava. 

Logo, um canal que servisse grupos demográficos com baixa renda disponível oferecia uma combinação enxuta de bens e serviços – daí a dificuldade de encontrar um vendedor preparado num hipermercado popular. Um canal projetado para o consumidor atarefado e endinheirado cobrava preços mais altos mas oferecia regalias como personalização e consultoria pessoal, além de testes do produto. O que a empresa fazia era subsidiar componentes estratégicos do processo de compra que valorizassem o pacote para manter uma proposta de valor mais atraente do que a concorrência.

A segmentação fundada no perfil demográfico levou a Merrill Lynch e outras corretoras a lançar, na aurora da corretagem online, canais de vendas distintos para o público jovem, versado em tecnologia, e para clientes de mais idade, de maior patrimônio. Embora os custos por transação para os mais velhos fossem mais altos, esse grupo tinha acesso gratuito a serviços de análise e assessoria. No inicio, o arranjo fazia sentindo: a Merrill Lynch e outras líderes do setor haviam ouvido a clientela mais madura e afluente afirmar em grupos de discussão que não tinha interesse em aprender a negociar online. O problema é que essa turma aprendeu. Não tardou para que os corretores sentissem o declínio da movimentação e das cifras investidas em tais contas, e também da rentabilidade delas. A clientela que desfrutava do atendimento integral se aproveitava da consultoria e da análise da firma para investir a um custo menor em outras partes.

Um consumidor sem amarras

Como a experiência do setor de serviços financeiros deixa claro, supor que um dado canal irá sempre servir um dado segmento já não é sensato ou sustentável. Por uma série de motivos, o consumidor se desligou de canais que no passado o prendiam. Primeiro, o consumidor é hoje muito mais confrontativo. Em grande medida, foi condicionado pelo varejo popular (representado nos Estados Unidos pela Wal-Mart) a buscar ofertas com mais afinco. Segundo, à medida que se inteirou das táticas usadas por empresas para atraí-lo, ficou mais estratégico. 

Estudos indicam que o público de liquidações sazonais tende a aguardar cada vez mais para comprar a cada ano, sempre na esperança de promoções de última hora. Por fim, o consumidor conta com muito mais informação e tecnologia para tomar decisões que o favoreçam. Já as empresas estão expostas; a qualidade, a disponibilidade e o preço de seus produtos são de conhecimento público e quaisquer falhas são logo alardeadas para o mundo. Há ferramentas sofisticadas para pesquisar preços online, identificar critérios para seleção de produtos (custos médios de manutenção ou índices de eficiência energética, por exemplo) e ter acesso a especialistas em quase todos os campos.

Enquanto isso, proliferaram os canais. A empresa que no passado vendia em uma rede de lojas especialistas agora também tem um website e, muitas vezes, um catálogo – sem falar nas várias lojas de fábrica. Há poucos anos, o senso comum dizia que presenciávamos uma espécie de explosão cambriana à qual se seguiria uma crise e o retorno a um número menor de canais. Não foi o que aconteceu e já não parece que será assim. Peguemos o caso dos bancos, um setor no qual o advento de um novo canal, o caixa eletrônico, supostamente ditaria o fim do canal tradicional, a agência bancária. O que o setor viu, porém, não foi uma migração de transações de um canal para outro, mas uma explosão de transações em ambos. Segundo a FDIC, agência americana que garante depósitos no sistema bancário, o número de agências de bancos nos EUA cresceu 29% na última década, e o uso do banco por meio da internet e dos caixas eletrônicos aumentou quase na mesma proporção.

O resultado é que o consumidor sem amarras de hoje compra de modo diferente. Ele sabe que tem várias opções de canal e que nos diversos pontos do processo de compra será mais bem servido por um ou por outro. Quem vende, é claro, há muito tempo pensa no processo de compra em termos de estágios. O grosso dos consumidores costuma percorrer cinco estágios previsíveis. O primeiro é o da conscientização, quando o comprador potencial conhece o produto ou serviço e descobre que precisa dele. O segundo estágio é o da consideração, no qual o comprador, agora motivado, busca informações sobre as alternativas disponíveis. Terceiro, o comprador avalia as alternativas e chega a uma preferência. Quarto, resolve onde e como efetuar a compra. Por fim, avalia se será necessário algum serviço pós-venda e se o vendedor merece uma nova compra.

O tempo e o esforço que o comprador dedica a cada estágio do processo depende de fatores como a natureza do produto, o suposto risco e se a compra é a primeira ou subseqüente. É lógico que  grande público percorre tais estágios de maneira diversa do que uma empresa em compras. Mas esta é uma descrição razoável de um processo genérico de compra envolvendo um leque de atividades de compradores e vendedores capazes de agregar – ou quem sabe furtar – valor.

O que torna o comportamento de consumo novo e desafiador é que o cliente atual já não avança por esses cinco estágios no contexto de um único canal. Antes, usa todos os canais disponíveis, entra naqueles que são diferentes para satisfazer suas necessidades em diferentes estágios.

Seja ao consumar – depois de muita pesquisa – a compra de champanhe num hipermercado ou ao adquirir o celular num quiosque de shopping, o consumidor vem desfazendo pacotes oferecidos por todo canal. Esse consumidor desmonta pacotes de produtos e serviços e leva só o que quer – ou seja, tira vantagem dos dados e do suporte iniciais sem efetuar a compra com que a empresa contava para subsidiar tal apoio. O consumidor não liga mais para os limites entre um canal e outro – e sua empresa deveria seguir o exemplo. Ele agora está ciente do valor de cada elemento isolado de seus canais – e sua empresa também deveria estar.

Uma nova lógica para a estratégia de canais

Com a segmentação ainda é possível saber o que uma pessoa compra: são poucos os homens de meia-idade que compram um jeans Diesel; poucos adolescentes imploram para ganhar um Dockers. Mas o perfil demográfico já não revela como uma pessoa compra. Logo, não ajuda muito na arquitetura de canais.

Hoje, a única base racional para a arquitetura de canais é totalizar o comportamento do público ao longo do processo de compra. Somente ao examinar o comportamento real do consumidor durante esse processo é possível saber se você – e seus parceiros no canal – está oferecendo tudo o que o consumidor quer. E como entender como se comporta o consumidor? Primeiro, com o uso de ferramentas clássicas de pesquisa de mercado – enquetes, grupos de discussão e observação -, para descobrir como diferentes consumidores se comportam indo às compras, comprando de fato e possuindo o que você vende (certifique-se de analisar não só quem compra de você mas também aqueles que escapam). De que forma esse pessoal fica sabendo de novos produtos, como os seus? De que forma obtém a informação de que precisa para estreitar as opções? Onde gosta de comprar?

É provável que você descubra que há poucos padrões comuns de comportamento. Henry Assael, professor de marketing na Stern School of Business, da New York University, e especialista em comportamento do consumidor, acredita que em vários mercados o comprador se enquadra em quatro grandes categorias. Adaptamos a tipologia de Assael para ilustrar um punhado de comportamentos de consumo cruciais, que podem ajudar o leitor a entender o verdadeiro comportamento de compra de consumidores correntes ou potenciais.

•  Consumidores habituais tendem a comprar sempre nos mesmos locais e sempre da mesma maneira.

•  Caçadores de pechinchas sabem o que precisam e surfam por diversos canais antes de comprar, ao preço mais baixo possível.

•  Consumidores que apreciam variedade coletam informações em diversos canais, tiram vantagem do atendimento superior de alguns e compram então em seu canal favorito, seja ou não o preço o mais baixo disponível.

•  Consumidores de alto envolvimento coletam informações em todos os canais, fazem a compra num canal de baixo custo (depois de ajustes relativos a riscos), mas tiram proveito do serviço ao consumidor de um canal de atendimento superior.

Estes grupos não são estáticos. Um consumidor que se comporta de um jeito numa compra talvez se comporte de outro na seguinte. Às vezes pode querer reunir grandes volumes de informação sobre o produto, às vezes não. Esse consumidor às vezes busca dicas personalizadas, às vezes não. O que faz num caso especifico talvez dependa do produto ou do serviço em questão. É natural, por exemplo, que a compra de um artigo caro exija uma avaliação mais rigorosa das alternativas. O comprador pode ter mais acesso a fontes globais de informação e suprimento de alguns produtos do que de outros. Mas o comportamento de consumo também depende das circunstâncias particulares do comprador: é um dia de correria, ou talvez uma semana na qual ele se sente com o bolso cheio? Por fim, a personalidade do comprador muda de acordo com a ocasião. Na hora de comprar passagens aéreas e escolher um hotel, pode agir de modo distinto se a viagem for a negócios ou a lazer.

A título de ilustração, criamos o gráfico “Quatro tipos de consumidor”, que traça o provável comportamento de cada um deles ao longo dos cinco estágios do processo de compra. Não quer dizer que seu público se enquadrará – muito menos de forma equilibrada – nessas categorias. É melhor encará-las como uma série de hipóteses a testar à medida que se estuda o comportamento da clientela.

Uma possível descoberta é que parcelas consideráveis de consumidores se encaixam em segmentos de comportamento que você jamais imaginou existirem – e que ainda não estiveram sob sua mira. Um estudo da lealdade a grandes marcas de eletrodomésticos revelou, por exemplo, que 15% das vendas de aparelhos são habituais (outros 12% são quase habituais). 

Outro estudo constatou que 17% dos compradores de carros populares na França sempre adquirem a mesma marca. Resta saber o que os fabricantes e os vendedores destes produtos vêm fazendo para facilitar a vida do consumidor que volta a comprar deles.

Abrindo novas rotas

Ao entender as várias rotas seguidas pelo consumidor ao longo do processo de compra, você ganha o conhecimento necessário para projetar canais que o atendam de forma rentável. É provável que descubra que o consumidor vem explorando recursos de vários canais para cumprir as diferentes etapas do processo de compra. Logo, o propósito da estratégia de comercialização deve ser direcionar o consumidor para as rotas que você deseja. Tais rotas precisam refletir o comportamento de sua clientela à medida que esta evolui da conscientização ao serviço pós-venda, mas também devem influenciar decisões específicas tomadas pelo consumidor ao longo do caminho. Sua meta é tornar o mais fácil possível para o consumidor seguir uma rota que gere mais valor para você do que o investido em suporte às atividades desse consumidor ao longo da trilha.

Significa que você tem a posse e o controle de todas as funções nessa rota? Não necessariamente. O essencial é que você garanta o elo entre as atividades ao longo da rota. Se você conclui, por exemplo, que a melhor maneira de o consumidor comparar o seu produto com o da concorrência – algo talvez inevitável – é consultar o website de terceiros, por que não guiá-lo abertamente até lá? Você pode anunciar no site em questão, ou negociar algum outro tipo de vínculo, para trazer a pessoa de volta a seu domínio assim que ela decidir comprar. Várias empresas hoje oferecem localizadores de revendedores ou varejistas em seu website para ajudar o consumidor a fazer a transição da preferência para compra. Milhares desses vínculos vêm sendo criados por empresas. O segredo é agir de maneira que leve em conta o comportamento de consumo nos diversos canais que o consumidor tende a usar em cada estágio do ciclo de compra. O resultado de oferecer o vínculo certo é um processo de compra que percorre múltiplos canais tradicionais, o que satisfaz todas as necessidades do consumidor sem que sua empresa pague sozinha a conta.

Comercialização com sistema aberto ou cativo

Até aqui, tratamos da arquitetura de canal como um exercício de criação de rotas para o consumidor. Certas empresas levarão a técnica ao extremo, na prática negando ao consumidor um consumo sem amarras. Ao oferecer fortes incentivos – ou talvez nenhuma alternativa – ao uso de uma determinada rota, uma empresa pode manter o consumidor cativo, pelo menos se tal indivíduo fizer questão dos produtos ou serviços dela. Quem pretende seguir tal estratégia deve atar as atividades do processo de compra (tanto as próprias como as oferecidas por parceiros do canal) de maneira tal que o consumidor não possa desatá-las ou tenha pouco incentivo para isso.

A maioria das empresas terá de buscar um meio-termo entre este canal totalmente cativo e um totalmente aberto. Num canal aberto, o consumidor escolhe livremente dentre os agregados que o mercado oferece em termos de atendimento, conveniência, personalização e afins. Age como um integrador, combinando elementos de diversos fornecedores e canais e pagando à medida que avança. Logo, uma estratégia aberta significa desmembrar o que sua empresa oferece e prover apenas aquilo pelo qual poderá receber. Decidir o quanto aberta ou cativa sua abordagem deve ser não é brincadeira. Como toda estratégia, exige escolher ativos, habilidades, parcerias e padrões de investimento e decidir o grau de risco a ser tolerado na comercialização.

A abordagem da Toyota é um bom exemplo do sistema aberto. Para a maioria das pessoas, comprar um carro exige um envolvimento intenso; gasta-se um tempo considerável na coleta de informações antes de uma decisão. Em reconhecimento a tal comportamento, o website da Toyota tem um link para o website da Edmunds, uma fonte respeitada de avaliação de veículos. 

A vantagem é clara: o consumidor vê na Edmunds uma fonte externa objetiva, e a Toyota tem confiança em que seus produtos se sairão bem na comparação com os da concorrência. No ciclo de compra que delineamos, o que a Toyota faz é permitir que terceiros satisfaçam as necessidades do consumidor nos estágios de consideração e formação da preferência. Esse consumidor, agora ciente das diferenças entre marcas e modelos que está considerando (e supostamente mais confiante em sua escolha), é devolvido pela Edmunds ao site da Toyota para passar à fase de compra. Em seu website, a Toyota também atende o comprador que exige mais envolvimento ao oferecer o agendamento de test-drives e a impressão de mapas das concessionárias locais. Vários websites de concessionárias permitem que o consumidor veja o que há nos estoques. Algumas, como a Boch Toyota, em   Boston, chegam a revelar o preço sugerido pela montadora, a informar os custos do distribuidor e a convidar o consumidor a fazer um lance online. É tido como certo que o consumidor sem amarras de hoje acabará descobrindo o custo de revenda. O melhor que o revendedor pode fazer é manter um elo com o consumidor enquanto ele percorre esse processo.

Em contraposição, vejamos o sistema mais cativo montado pela rede de material de escritório Staples para atender um público ávido por variedade. Ao visitar uma loja Staples, o consumidor pode comprar itens em estoque ou usar um quiosque de internet para fazer um pedido na Staples.com. Caso evite usar o cartão de crédito na internet, pode fazer o pedido online na loja, imprimir um recibo com código de barras e pagar no caixa. As lojas têm ainda um catálogo que o consumidor pode levar para fazer seu pedido por telefone, fax ou internet sem sair de casa. A Staples investiu pesado em suas operações de apoio para viabilizar esse canal mais completo. Com boa razão: ele prende o consumidor. No exercício fiscal de 2002, a receita da rede subiu 30%.

A Toyota e a Staples escolheram saídas diferentes para lidar com um consumidor cada vez mais livre de amarras. Em cada caso, a lógica tradicional de canais teria sugerido que a empresa visasse certos segmentos definidos do público (loja versus online, por exemplo) e então, em conformidade com tais designações, montasse um canal direto, indireto ou possivelmente hídrico para cada segmento. Em vez disso, a compreensão de como se comporta a totalidade de seus consumidores ao fazer compras (e também de certas características do produto e da logística de mercado) levou a Toyota e a Staples a criar rotas que satisfizessem as necessidades de tal público.

Do que você é capaz?

Como projetar o melhor sistema de comercialização para sua empresa? O processo deve ser movido por duas questões de fundo. Que variáveis levar em conta ao selecionar ou arquitetar o canal mais eficiente até o mercado? Quais os pontos fortes inerentes à sua empresa?

A primeira questão tem sido abordada reiteradamente na literatura sobre arquitetura de canais. Foi constatado que vários aspectos do produto e da estrutura de mercado exercem influência sobre os recursos que um canal requer. Desses aspectos, quatro têm particular relevância para a decisão sobre aberto versus cativo.

Nível de integração entre produtos e serviços. Há produtos e serviços cuja natureza exige ajustes técnicos ou de outra ordem para adequação às exigências do consumidor. Certos produtos devem ser personalizados (como um terno sob medida ou a reforma de uma cozinha) e outros exigem um extenso atendimento depois da compra (um carro ou um computador). Quanto maior o vínculo entre a experiência de possuir e a experiência de comprar, mais sentido faz um sistema cativo.

Exigência de variedade. O interesse do consumidor num leque amplo de produtos ou serviços complementares – por desejo ou necessidade – ao comprar algo de sua empresa afetará a capacidade dela de criar um canal cativo. Quando a variedade é importante, um sistema relativamente aberto é essencial.

Disponibilidade do produto. Certos consumidores, depois de pesquisar e comprar, têm uma necessidade constante de peças sobressalentes ou suprimentos prontamente disponíveis. Quando é preciso satisfazer um consumidor incapaz de prever quanto de seu produto ou serviço exigirá, que deseja comprar o produto perto de onde estiver e precisa de peças para pronta reposição, o melhor a fazer é montar um sistema aberto.

Garantia de qualidade do produto. A qualidade básica do produto é sempre importante para o consumidor, mas nem sempre decisiva para seu comportamento de consumo. Dependendo das conseqüências de eventuais defeitos, o consumidor aceitará graus distintos de confiabilidade (e muita gente não vai pagar por uma qualidade de que não necessita). Porém, quando a garantia de qualidade do produto é essencial, um sistema relativamente cativo (que garanta a conexão direta com o fornecedor do produto) em geral é a melhor pedida.

Uma vez que tenha decidido, com base no perfil mais completo possível do comportamento de consumo da clientela, implantar um sistema aberto ou cativo, a segunda questão – relativa à força inerente de sua empresa – determinará qual deverá ser o seu papel nesse sistema. Sua grande vantagem competitiva reside num produto singular ou na habilidade em dado processo? Ou está na solidez do relacionamento com o público? A melhor estratégia de canal assumirá uma de quatro formas básicas, dependendo da resposta.

Especialização numa fase da distribuição. Uma empresa que optou por um canal aberto e tem sua vantagem competitiva em produtos ou funções do processo deve buscar a excelência num dos estágios do processo de compra e abrir conexões para o máximo possível de provedores de outras funções. Entre as empresas que optaram por tal concentração estão operadoras de cartões como American Express, Visa e MasterCard e serviços de remessa como FedEx, UPS e a empresa de correios americana, a U.S Postal Service. No setor de viagens, os exemplos são as prestadoras de serviços Sabre e Apollo, que aplicaram seus recursos de reserva de passagens aéreas à reserva de hotéis e de veículos para locação. Ao se ater a uma única função, tornaram-se os sistemas dominantes de reserva na indústria de viagens.

Coordenação do fluxo de informações de vários especialistas. Quem opta por participar de um canal aberto e tem sua vantagem competitiva nos relacionamentos com o consumidor pode assumir a função de levar o mercado à porta do consumidor. Tal estratégia funciona melhor quando há vários rivais indiferenciados exercendo o mesmo papel num canal, quando a cooperação entre as partes de apoio às várias atividades do canal é baixa ou quando o canal exige variedade. É o caso da  loja de presentes online Send.com, que, a exemplo do que a FTD havia feito, criaram uma marca global graças à coordenação da atividade de milhares de provedores de serviços independentes. No setor de viagens, a Carlson Wagonlit fez o mesmo com a franquia de agências, assim  como a Re/Max com sua rede de mais de 4,5 mil escritórios imobiliários independentes. Também nos EUA, a National Automobile Dealers Association lançou o site DriversSeat.com, que reúne mais de 19 mil concessionárias e seus estoques e disponibiliza mais de 1 milhão de veículos ao público online tendo melhorado ainda a gestão do capital de giro e a rotatividade do estoque no setor.

Combinação de vários papéis do canal. Se o seu consumidor está comprando através de um canal cativo e sua vantagem competitiva deriva de produtos ou de habilidades no processo, talvez seja possível oferecer um leque de atividades mais valioso do que a soma de suas partes. Sua empresa também pode justificar o desenvolvimento ou a aquisição de recursos adicionais se isso vier a criar novas sinergias em seu canal, eficiências de escala ou o uso eficaz de subsídios cruzados.

No varejo, a Willians Sonoma incorporou e executou tão bem a estratégia de vendas em vários canais que sua receita hoje é dividida à relação de 60/40 entre as operações de varejo e as vendas online e por catálogo. Mais importante, a empresa continua a encontrar maneiras de fazer com que o investimento em cada um destes canais turbine os resultados de outros. Seu catálogo, por exemplo, é valorizado e usado não só para a venda direta mas para atrair novos consumidores para a empresa, servir como publicidade sempre presente no lar e sugerir novos locais para instalação de lojas.

No setor de viagens essa abordagem integradora foi usada no passado por agências de turismo independentes que serviram tanto como agente do consumidor, dando orientações confiáveis, quanto como agente dos provedores de serviços, determinando o que seria apresentado ao público. Hoje, a estratégia é usada por centrais de atendimento telefônico de companhias aéreas para combinar os papéis de formador de mercado, agente do comprador e agente do vendedor para itens que variam de uma simples passagem aérea a pacotes personalizados de férias.

Exploração de relacionamentos com o consumidor. Ainda que seu consumidor compre através de um canal cativo e que sua vantagem competitiva derive do relacionamento com ele, é possível se especializar num papel do canal – mesmo na falta de eficiências superiores no processo. Em certos ambientes de um canal, pode ser rentável focar atividades específicas de alto controle sobre relacionamentos importantes. Isso inclui alavancar relacionamentos com o cliente como fazem a América Online e outros portais ao fornecer contexto, ou a eBay ao formar mercados. No setor de viagens, agentes online como a Travelocity e a Expedia tentam controlar o canal de forma parecida ao prender uma base fiel de consumidores na internet e vender acesso a estes usuários por meio de anúncios e promoções em seus sites.

Colhendo os frutos

Implementar a estratégia escolhida para lidar com um consumidor sem amarras exigirá mudanças substanciais – e não só no modo de interagir com consumidores, parceiros e intermediários. Suas transações internas – entre divisões funcionais e de negócios de sua organização – também terão de mudar. Nossa experiência sugere que esta última é muitas vezes mais difícil do que a anterior. Um executivo definiu o desafio interno como o “principio de Noé”: prever a chuva não é nada, o difícil é botar todo mundo a bordo. Para tanto, a empresa deve focar as metas apresentadas a seguir.

Noção compartilhada. Vários indivíduos e grupos em sua organização lidam com o consumidor ao longo do ciclo de comercialização e compra. Há entre eles uma noção comum do modo como o consumidor compra – e como a empresa comercializa? Na Staples, o slogan publicitário ajuda a reforçar a estratégia internamente, assim como a promover externamente sua proposição de valor. O lema era “Temos o que você procura”. Agora que a empresa integrou tão a fundo os canais online e offline – dando ao consumidor o benefício de uma variedade maior sem ter de estocar todo item nas prateleiras das lojas -, a mensagem foi alterada. O novo slogan é “Staples. Foi fácil”. Isso ajuda o pessoal a lembrar que cada canal de comercialização deve complementar e respaldar os demais. Já uma linguagem que opõe o canal offline ao online muitas vezes gera uma competição interna que impede a empresa de lidar de forma produtiva com o consumidor sem amarras.

Métricas de desempenho para múltiplos canais. Uma empresa que se reorganiza para servir o consumidor sem amarras precisa repensar a métrica usada para avaliar o desempenho. Para certas empresas, medir a participação de mercado será menos relevante do que medir a participação nos gastos de cada consumidor – medida que conta a participação em todos os canais. Ao mudar a abordagem de comercialização para lidar com o cliente sem amarras no setor de corretagem, a Merrill Lynch adotou uma estrutura de precificação com base em comissões. Hoje, monitora o chamado share-of-wallet com muito mais detalhe. Para a maioria das empresas seria útil criar uma métrica que rastreasse o custo total de servir o consumidor entre um canal e outro. Agregar um canal de internet pode elevar o custo de bens vendidos em canais tradicionais (já que o público navega por eles mas compra online). Isso, porém, não deveria importar se o custo total de servir o consumidor nos dois canais for inferior ao que era. 

Mas importará se, graças à métrica de desempenho adotada, a direção da empresa focar a rentabilidade isolada de cada canal.

A métrica adotada tem, naturalmente, implicações na remuneração e nos incentivos. Um número maior de empresas terá de aceitar “pagar duas vezes pela mesma venda”. Ou seja, permitir que participantes de diferentes canais recebam parte do crédito. O desejo de manter sistemas de incentivo simples é compreensível, mas pode ser contraproducente quando o comportamento de consumo não tiver nada de simples. Quando a empresa ganha uma noção clara do custo total de servir o consumidor por todo o ciclo de comercialização e compra, fica possível (e vital) dar total crédito a canais múltiplos.

Nova gestão de informações. Para servir o consumidor em diversos canais, é preciso enxergar através desses canais. Monitorar o comportamento de compra e o custo total de servir o consumidor requer dados precisos na hora certa. No ano passado, a Gap teve novos insights ao expandir o banco de dados de e-mail de consumidores e ao combinar a sondagem do consumidor online e nas lojas. Agora, as enquetes online ajudam na seleção de produtos para as lojas, assim como as enquetes nas lojas ajudam a criar campanhas direcionadas de e-mail. A empresa atribui o avanço geral do faturamento a tais informações, que segundo ele seriam particularmente eficazes para estimular novas compras e melhorar as taxas de conversão. Na mesma veia, a rede de supermercados britânica Tesco usou cartões de fidelidade para coleta de dados sobre as compras de 7 milhões de clientes e, com isso, obteve novas informações para atualizar semanalmente seus programas de marketing à luz do comportamento mutante do público, pegando o consumidor na própria toca, por assim dizer. Nos últimos cinco anos, a Tesco se tornou a líder dos supermercados do Reino Unido, primeiramente atualizando seus recursos de informação e então com a análise e a aceitação das implicações do comportamento de consumo dinâmico entre seus consumidores.

Educação e aprendizado direcionados. Certas empresas, entre elas a BellSouth, usam iniciativas internas de formação de executivos e líderes para fomentar a linguagem e a mentalidade exigidas para se lidar com consumidores em canais múltiplos. Programas de treinamento da alta gerência de marketing abordam tais questões e, ao fazê-lo, indicam que a organização busca desenvolver uma abordagem de vendas e marketing que possa lidar com o comportamento do consumidor que surfa por vários canais. Esses programas também se tornam um fórum no qual diferentes divisões de produtos possam se comunicar entre si e com executivos de vendas sobre o que acontece ou o que deixa de acontecer em diferentes canais e divisões de negócios.

Em outras empresas, o objetivo da formação é superar velhos hábitos e preconceitos. A Dell, sempre citada como paradigma do modelo de vendas diretas, enfrentou um desafio interno de educação quando passou a instalar quiosques nas lojas Sears. A meta da ação era entrar para o canal do varejo e atrair o público caracterizado pela Dell como avesso à compra direta. No início, porém, os quiosques eram vistos como heresia por muitos funcionários. Ignorar esse foco de resistência não era um luxo permitido à direção. A empresa criou então programas para instruir gerentes sobre os limites que os modelos de venda direta impunham ao crescimento, assim como sobre as opções e as oportunidades trazidas pela expansão do sistema tradicional de comercialização da Dell.

Lições tiradas do canal

Hoje, a competição não ocorre entre empresas, mas entre sistemas de canais. Se um canal exibe baixo desempenho, o problema é de todos, e não só de quem está sentindo o impacto imediato do valor desviado. Logo, o comportamento do consumidor e arquitetura de canal que o atenderá merecem a atenção de todos os parceiros no canal.

Todo canal é fruto de uma negociação entre partes em guerra – produtores, distribuidores e varejistas que talvez tenham certas metas em comum, mas têm também outras que são antagônicas. Introduzir mudanças requer uma certa dose de habilidade política. Talvez, então, convenha encerrar com três de nossos axiomas políticos favoritos, que já foram atribuídos a Baldwin, de Gaulle, Talleyrand, H.L. Mencken e outros – sinal, talvez, de sua relevância para personalidades e organizações diversas. O primeiro é “Nunca fique entre um cachorro e seu poste favorito”. O segundo, cuja autoria é incerta mas costuma ser atribuída a Charles de Gaulle, é “Nunca descarte por completo quem está por baixo, pois nunca se sabe quando estará por cima de novo”. E o terceiro, de Charles-Maurice de Talleyrand: “A arte da política é prever o inevitável e acelerar sua ocorrência”.

Numa veia similar, gostaríamos de dar um último conselho. Nunca fique entre o consumidor e o modo como ele quer comprar. A lógica convencional muitas vezes tenta levar o consumidor na marra a um canal em vez de criar rotas que se ajustem a suas preferências.

Fique atento a todo ponto-de-venda. Evite o excesso de rigidez quanto à estrutura e aos elementos de um canal; um comportamento que sai de moda, como a compra em lojas, pode rapidamente voltar (quando, por exemplo, certos impostos chegarem às vendas pela internet).

E, por fim, aceite que o comportamento sem amarras do consumidor é inevitável – e, portanto, que é preciso repensar sem demora seu esquema de comercialização. Quem começar a agir agora para agrupar os consumidores segundo suas estratégias de compra, e para erguer organizações que cumpram tais estratégias com decisão, terá maiores chances de largar na frente quando o inevitável ocorrer no mercado.

Fonte: Revista Harvard Business Review

Nenhum comentário: